Enquanto condenados por envolvimento num esquema de corrupção que desviou R$ 170 milhões dos cofres públicos seguem soltos e à espera de um novo julgamento, dois acusados pelo furto de um par de chinelos estão atrás das grades há duas semanas. Keny Silva, de 31 anos, e Leonardo Ribeiro de Araújo, de 19, dividem cela com outros quatro detentos acusados de crimes de menor potencial ofensivo na Cadeia Pública Patrícia Acioli, em São Gonçalo. Para eles, a cadeia representa a reconstrução de uma identidade. Já para os mensaleiros...
Num grupo de cerca de 15 moradores de rua, Keny e Leonardo costumavam jantar depois da meia-noite, quando iam em direção a um luxuoso restaurante em Ipanema, onde o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, um dos condenados do mensalão, entraria pela porta da frente. Lá, se alimentavam de restos de comida, jogados no lixo. Com a fome saciada, dormiam numa praça perto dali.
Em 11 de setembro, acusados de furtar um par de chinelos na Praia de Botafogo, Keny e Leonardo entraram pela porta da frente num lugar desconhecido pelos mensaleiros. Apesar da vontade de recuperar a liberdade, eles dão valor à experiência atrás das grades. E preferem não avaliar a situação dos envolvidos no mensalão:
— Se o juiz não julgou (mensaleiros), quem sou eu para julgar? — questiona Keny.
Na carceragem, os moradores de rua ganharam nome, sobrenome, um corte de cabelo e quatro refeições por dia. E, nos pés, calçaram chinelos novos.
— Na rua, não tem ninguém por nós. Aqui, a gente come na hora certa. Mas não me sinto bem preso, né? Quero voltar pra rua e fazer meus documentos. Sou como um indigente — diz Leonardo.
Keny e Leonardo não tiveram as mesmas oportunidades dos acusados de participar de um dos maiores escândalos de corrupção do país. As histórias deles se cruzaram pelas ruas do Rio, onde catavam latinhas para comprar cachaça. E, já embriagados, dormiam em praças ou calçadas.
Ainda bebê, Keny foi abandonado pela mãe, uma garota de programa. Foi criado por uma mãe adotiva na Favela da Fazendinha, no Complexo do Alemão. Mas não a vê desde que foi expulso de lá por traficantes, por furtar um comerciante. Leonardo cresceu no Gogó da Ema, uma das favelas mais perigosas de Belford Roxo, na Baixada.
Aos 10 anos, perdeu o rumo com a morte da mãe adotiva e se envolveu com o tráfico. Depois de ser detido com um radiotransmissor, não voltou à favela, com medo de ser morto por bandidos. Passou a dormir pelas ruas, onde conheceu Keny.
Por: Herculano Barreto Filho/ Extra Online
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